sábado, 21 de abril de 2018

A QUEDA D'UM ANJO - PERSONAGENS PRINCIPAIS


Os dezoito personagens de “A queda de um anjo” são caricaturas, arquétipos humanos da sociedade portuguesa da época. Entre eles, destacamos:

1. Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda

          No auge da queda, a personagem tem 49 anos. Nasceu em 1815, na aldeia de Caçarelhos, termo de Miranda. Filho de família de sangue limpo, o pai tinha o mesmo nome, e a mãe chamava-se D. Basilissa Escolástica. Era filho único do morgado da Agra de Freimas, bom filho, que iniciou os estudos de latinidade no seminário bracarense. Com a morte do pai, renunciou à carreira das letras, mas deu-se muito à leitura de copiosa livraria. Casou pelos vinte anos com a morgada de Travanca, D. Teodora Barbuda de Figueiroa, uma prima rica com a qual casa com o interesse de juntar duas ricas heranças. No dia seguinte à noite nupcial, por volta das sete horas da manhã já estava de pé nos seus afazeres. Lia até tarde da noite noite. Entre seus livros estavam a legislação antiga, as genealogias, etc.

Conhecia um pouco o francês, falava fluentemente o latim e interpretava o grego com correção. Tinha uma ótima memória pronta e era no mínimo erudito em história antiga. Sabia detalhes sobre fatos e pessoas de Portugal. Defendia os valores e a moral do passado. Tinha uma formação intelectual desvinculada do seu tempo, fundamentada na leitura de clássicos (alfarrábios), que lhe dão uma formação culta, embora desfasada da realidade. Calisto era um homem quieto e calado. Não se posicionava contra o progresso, mas não queria ser por ele pressionado. Na fase inicial da trama agiu como um homem tradicional, mas após mudar-se para Lisboa, aos poucos, adere à modernidade.
O narrador infere que o leitor construiu uma imagem equivocada da figura de Calisto: “Calisto Elói não é a figura que pensam”. Ele sugere que o leitor imagina a personagem como um home grotesco e diz que de propósito não descreveu a imagem de Calisto para que o leitor construísse a imagem da citada personagem independentemente da narrativa. Mas o narrador continua o discurso com a descrição de alguns traços da personagem. Calisto não era desajeitado, era magro com compleição afidalgada. O abdome era saliente, o nariz avermelhado e o perfil curvado em razão da posição que costumava ler. Estatura um pouco acima da média e pernas direitas.
Em 1840, aos 25 anos, aceitou a presidência municipal de Miranda. A sua defesa da tradição e a aversão às normas atuais eram tão exageradas que, ao ser designado para governar a Câmara de Miranda, resolveu ressuscitar a legislação dos antigos forais. Foi muito criticado e terminou abandonando a presidência da Câmara no mesmo dia que assumiu.
É o ‘anjo’ que vai sofrer a ‘queda’ indicada no título da obra. Foi eleito para representar a sua terra no Parlamento em Lisboa. Após ser convencido a concorrer à eleição, resolve que vai representar seus conterrâneos na intenção de reduzir os impostos. Após ser eleito e antes de viajar para Lisboa, recorre aos seus antigos livros para ler tudo e conhecer melhor a capital. Não se apercebe que as leituras desatualizadas podiam lhe trazer alguns transtornos, como foi o caso da situação na qual procurou chafarizes com indicações medicinais nos seus livros antigos. Terminou por contrair doenças relacionadas à poluição das fontes lisboetas. Até partir para a capital, vestia-se sempre à moda antiga.
O guarda-roupa era modesto, salvo o chapéu armado. Usava calção de tafetá e espadim. Vestia-se de briche da Golegã, e dos alfaiates de Miranda. A gola e portinholas da casaca eram sérias demais. Usava calças rematando em polainas abotoadas de madrepérola.
Ao chegar a Lisboa, alugou uma casa no bairro de Alfama, por saber da importância histórica da parte antiga da cidade. Ao cabo de três dias, mudou-se para uma rua mais limpa, pois os lamaçais de Alfama lhe provocaram um escorregão e um grande constrangimento ao ser vaiado publicamente na hora em que caiu.
Iniciada a vida social e parlamentar na capital, Calisto continuou a ser um rígido defensor da moralidade.  Inicialmente, manteve-se fiel à mulher distante (Teodora). Chega a tomar para si o nobre desafio de redimir uma filha (Catarina) de um comendador amigo seu (Sarmento), conseguindo tirá-la de uma situação de adultério. No entanto, Calisto não imaginava que a irmã de Catarina seria o motivo  da sua primeira tentação para a traição conjugal.
A personagem em análise chegou à Capital e ao Parlamento com boas intenções. Inicialmente suas preleções eram alvo de risos e reboliços no Parlamento. Mas aos poucos, consegue usar com maestria a sua vocação para a oratória. O dom da palavra favoreceu sua caminhada política. Queria usar seus conhecimentos para fortalecer a moral e os bons cosutumes. No Parlamento, ficou conhecido pela fala franca e rude. Sem temor atacava a hipocrisia e as leis aprovadas com interesses particulares. Defendia com vigor o que julgava ser o interesse popular. No entanto, suas preleções, ao menos na fase inicial, tornaram-se alvo de risos, críticas e desavenças com outros deputados.
Em razão de suas preleções no Parlamento, começou a ter o apoio de alguns parlamentares, mas encontrou também forte oposição, como foi o caso o Dr. Libório de Meireles, que era um orador liberal de origem pobre, mas que tinha forte influência no Parlamento. Desde que conhecera Libório, Calisto não poupava críticas negativas ao novo oponente. Com o passar do tempo, Calisto terminou adotando o mesmo discurso de Libório.
          Certo dia, Camilo começou a olhar apaixonadamente para Adelaide, irmã de Catarina, a mulher que havia resgatado da situação de adultério. Chegou à atitude infantil de escrever versos para que Adelaide lesse. Começou a mudar o estilo das vestimentas, na intenção de cortejar Adelaide, qual não gostou de estar sendo cortejada por um homem casado. Calisto não foi correspondido.
           Calisto não gostou de ter sido preterido por Adelaide, a qual preferiu abrir seu coração a outro homem, Vasco da Cunha,  mas seguiu em frente. Calisto vai-se transformando à medida que vai mudando a forma de vestir-se. A cada vez que falava aos parlamentares mudava a impressão que lhes causava. Os camarotes do Parlamentos eram fortemente concorridos por espectadores que queriam sorrir do modo como Calisto vestia-se e falava ao público e suas intrigas com os parlamentares, especialmente o Dr Libório. Aos poucos isto vai mudando, pois Calisto começa a trajar roupas mais modernas e a usar uma linguagem mais aproximada dos oradores mais eloquentes.
Outro fato que gerou grande reviravolta na vida de Calisto foi ter conhecido Ifigênia, que era uma viúva de um general (Ponce de Leão). Ifigênia procurou Calisto para solicitar-lhe o apoio em relação a uma pensão. Descobriu que ela era uma prima afastada. Resolveu defender a causa da prima e terminou tornando-se seu amante. Talvez o início desse novo relacionamento, inclusive com a providência de uma casa para a amante, tenha sido a concretização total da queda.
De Lisboa, juntamente com Ifigênia, Calisto fez uma viagem a Paris e, embora tenha passado pouco tempo em terras francesas, voltou a Lisboa radicalmente mudado. Passou a trajar as roupas da moda mais recente em Paris, avançadas para os costumes lisboetas. Melhorou ainda mais o estilo oratório, aproximando-se mais dos políticos ligados ao governo. Começou a ampliar seus conhecimentos com a literatura francesa moderna. Deixou o bigode e o cavanhaque, trocou o rapé pelo charuto e passou a gastar dinheiro desmedidamente.
Esqueceu a esposa Teodora.
Ao final da história, Calisto demonstra certa maturidade ao tratar da separação com serenidade, mesmo sabendo que isso significaria que a ex-mulher Teodora também teria uma vida amorosa com outro homem (Lopo de Gambôa, um primo pobre de Teodora).
           Paralelo entre a ficção e a realidade:
- Calisto e Teixeira da Mota (fidalgo eleito deputado e tornou-se um depravado na vida lisboeta).
- Dr. Libório e o Dr. António Aires de Gouveia (autor de uma proposta de reforma das cadeias e que teve algum atrito com Camilo, na vida real).

2. Teodora Barbuda de Figueiroa

         Teodora costurava com perfeição. Era admirada pela família e citada como exemplo na região. Tornou-se noiva de Calisto sem sofrimento, obedecendo à decisão do pai. Não ia alegre nem triste. Tanto se lhe dava casar com o primo Calisto como com o primo Leonardo. Às sete horas do dia seguinte à noite do casamento, Teodora já estava de pé limpando a casa. Após o casamento assumiu a função dos cuidados domésticos da sua sogra e a administração da casa. Prima e esposa de Calisto, com o qual casou em uma relação baseada no interesse financeiro de aumentar o patrimônio familiar. Era uma esposa devotada ao marido, provinciana, pouco interessante, sem graça, rude, banal, com uma linguagem proverbial, apenas preocupada com a lida da casa e a lavoura.
         Com a partida do marido para a capital, fica responsável pela administração do patrimônio familiar. Também usa trajes antigos e fora de moda. Tem origem rica, como morgada de Travanca. Quando percebe que o marido a está deixando de lado, ameaça-o com a possibilidade de separação dos patrimônios, de modo que cada um siga sua própria vida. Quando Calisto concorda com a separação, Teodora entra em desespero. Durante todo o enredo, Teodora faz a figura da mulher do lar, preocupada e até empenhada nos trabalhos do campo. Da mesma forma que o marido, Teodora também passa por um processo de queda. Depois de abandonada pelo marido, termina cedendo aos cortejos do interesseiro primo Lopo de Gambôa, com este, em uma relação conjugal ilícita, passa a morar e tem dois filhos.

3. Catarina Sarmento

           Filha do comendador Sarmento, casada, mas trai o marido com D. Bruno Mascarenhas.  Após a intervenção de Calisto, arrepende-se da traição, embora não confesse ao marido. Era leitora da literatura moderna francesa, como Balsac, que dá a entender que tal literatura provocou péssima influência na personagem.

4. Adelaide Sarmento

         Filha do comendador Sarmento, solteira. Fica agradecida a Calisto por ter evitado uma catástrofe no casamento da irmã, torna-se amiga do citado deputado, mas corta essa amizade quando percebe que está sendo cortejada por Calisto, um home casado. Depois que rejeita Calisto, fica noiva de Vasco da Cunha.

5. Ifigênia

            Mulher brasileira, viúva do brigadeiro Gonçalo Ponce de Leão. Embora seja uma viúva, aos seus 39 anos, mantém-se formosa e passa a ser o objeto de admiração de Calisto. Aproxima-se do deputado Calisto para pedir ajudar no tocante à pensão do marido. Ao conversar com Calisto, conta sua triste história de viúva e descobre seu parentesco distante com o deputado. Torna-se objeto da paíxão de Calisto. Aceita os cuidados do deputado, cuidados esses que incluíram a nova casa que ele providenciou para que ela morasse.
           Aos poucos vai cedendo à atenção e aos cuidados de Calisto. Cuidados que se transformam em cortejo e, por fim, em uma relação conjugal ilícita inicialmente às escondidas. Passou a receber o deputado em visitas amorosas vespertinas, a fim de evitar o falatório da sociedade. À noite, Calisto voltava para o Hotel para dormir e caracterizar que o casal adúltero vivia conforme os bons costumes das famílias de respeito, visto que Calisto era um homem casado.

6. Lopo de Gambôa

É um primo pobre de Teodora. Logo que percebeu o desinteresse de Calisto, viu em Teodora uma ótima oportunidade para ascensão social. Teodora trata o primo com consideração, mas mentamse fiel a Calisto. Lopo insiste e elabora um plano no qual finge estar apoiando e projetgendo os interesses de Calisto, mas na verdade tece uma estratégia na qual revela os atos de traição de Calisto ao mesmo tempo em que apoia e acalenta Teodora. O plano dá certo e Lopo termina por estabelecer com Teodora uma relação extraconjugal paroibida socialmente, mas ao mesmo tempo é uma relação pública, pois os dois amantes passam a morar junto e têm dois filhos.


7. Dr. Libório de Meireles

É um deputado portuense, jovem de muita sabedoria, de trinta e dois anos, cara honesta, e posturas contemplativas. Logo cedo, aos dezoito anos escreveu livros de poemas satíricos contra os titulares portuenses. Não obteve sucesso como poeta. Era de origem pobre, filho de um tendeiro, que entrara na estrada franca da fortuna próspera, produzindo licores e aguardente de nabo. Em Coimbra, fez-se examinar em latim e foi reprovado. Ficou revoltado com os examinadores e resolveu destes se vingar. Começou a se autoafirmar doutor em latim. Traduziu um poema latino com tanta clareza e fidelidade que recebeu o reconhecimento da alta qualidade de seu trabalho. Insistiu nos estudos, formou-se e doutorou-se. Logo após tornar-se doutor, viajou pela Europa, conhecendo novos lugares e ampliando sua experiência e conhecimentos. Ao voltar para Lisboa, interessou-se pela política, com a qual estreitou fortes laços, obtendo grande sucesso como parlamentar.
É um forte opositor de Calisto no Parlamento. É um homem balofo, afetado, pomposo e com um linguajar complicado que gerava a irritação de Calisto. Aparentemente, trata-se de uma personagem baseada em uma pessoa real, que seria uma tentativa de Camilo ridicularizar o bispo D. António Aires de Gouveia, lente, ministro e par do Reino.
Calisto sempre insistia que não era possível compreender nada do que Libório falava, devido ao lingajar rebuscado. Assim, o parlamento passou a ser palco de embates calorosos entre os dois parlamentares. Mas aos poucos, Calisto vai se aproximando dos políticos ligados ao governo ao mesmo tempo em que passa a ter um discurso similar ao de Libório.

8. Brás Lobato

O mestre-escola, professor de primeiras letras, secretário da junta de paróquia, e ex-sargento das milícias de Mirandela. Concorreu e perdeu para Calisto na eleição para representar Miranda no Parlmento. Para não ficar sem nenhum reconhecimento, foi nomeado secretário local.

9. Abade Estevães

Era colega transmontano de Calisto. Homem de anos e doutrinas monárquico-absolutas. Foi importante interlocutor de Calisto na fase inicial, na qual este era rígido de espírito, em relação ao juramento no Parlamento, absolvendo-o do perjúrio, dizendo que não era sério, porque já de si o juramento era irrisório e mera brincadeira de nenhum peso na balança da justiça divina. Era menos letrado que Calisto, mas era mais experiente e capaz em crítica da história. Por delicadeza, fingia engolir as histórias do morgado. Foi útil a Calisto logo no início do mandato como orientador em relação ao que era adequado ou não fazer no Parlamento. O narrador chega a nomeá-lo amigo de Calisto (p. 31). Amava a música pelo muito amor que tinha à guitarra, delícias da sua juventude, e consoladora da velhice (chegou a levar Calisto ao teatro, p. 34). Várias vezes advertiu Calisto da necessidade de reformar o vestido, e entrajar-se conforme o costume. Era a única pessoa que contrariava Calisto tentando orientá-lo. Depois que Calisto começou a viver uma vida de traição conjugal, afastou-se.


10. O Narrador

         O narrador é uma importante personagem na obra, o qual evidencia uma forte empatia com a personagem principal, o deputado Calisto. Em toda a trama, o narrador acompanha as atitudes de Calisto e das demais personagens, mas o texto não deixa dúvida de que o narrador torce pelo sucesso da personagem principal. O narrador também se funde com Camilo, o autor da obra. Há um momento da história no qual o narrador afirma em primeira pessoa que Camilo leu um dos livros dele (narrador), que aqui parece coincidir com o autor (Camilo) e que provocou fortes emoções ao coração de Calisto. 

Conclusão

        O título da obra pode sugerir, em um primeiro momento, que trata de um romance no qual alguém ou um ser angelical entra em pecado. Talvez, para os conhecedores das religiões que recorrem a arquétipos como diabo, anjos, pode dar a entender que trata, por exemplo, da queda do Mal. No entanto, trata-se de uma novela, um romance satírico que retrata um contexto social e político que representava bem a sociedade portuguesa da época. Parece evidenciar nessa ‘queda’ a crítica às mudanças e transformações sofridas por Portugal, mudanças essas muitas vezes rejeitadas por aqueles que não queriam abrir mão dos valores e fundamentos que regiam a sociedade daquela época. A ironia parece já estar evidenciada  no uso dos termos ‘queda’ e ‘anjo’. Tal ironia fica mais evidente à medida que o romance se desenvolve e os aspectos cômicos e risíveis tornam-se menos cômicos ao longo da história. Logo no início, quando a personagem principal, ainda na sua fase ‘anjo’ é um defensor da tradição, suas atitudes se revestem de momentos que aludem à comédia, desde à sua vestimenta até as atitudes mais drásticas. Na fase de transição e adaptação ao contexto social e político da capital, ele continua a gerar risos, mas a cada capítulo do livro, o narrador, Calisto e o leitor parecem entrar em uma empatia que favorece a composição da personagem. De modo que ao final do romance, que seria a concretização dessa queda, quando Calisto passa a viver em uma situação de adultério com Ifigênia, inclusive, com a criação de filhos, o que seria uma ‘queda’ para muitos é a mudança de paradigma para outros. Então ficam as perguntas: ‘Queda ou libertação?’, ‘Queda para quem?’, ‘Anjo ou ser humano?’, ‘Anjo para quem?’

REFERÊNCIAS:

CASTELO BRANCO, Camilo. A queda dum anjo. Disponível em: <https://www.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/09/A-Queda-de-um-Anjo.pdf> Acesso em: 21 abr. 2018.

Ficha Informativa de A Queda dum Anjo https://pt.slideshare.net/JooTeixeira4/ficha-de-apoio-quedaanjo. Acesso em 12 abr 2018.

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